sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ninguém me ajuda a ajudar (1)

Outro dia tentei fazer uma denúncia ao Disque-Denúncia. Não queria me identificar pois, apesar do crime ser --comparativamente-- pouco grave, não sabia se os denunciados eram "barra pesada", nem se um denunciado consegue de alguma maneira ter acesso aos dados do denunciante, caso ligasse para o 190. Não ter confiança no órgão que recebe denúncia é fogo...

Além de furto de energia (um dia eu vi a pessoa fazendo as ligações direto do poste), aquele barraco (não estou menosprezando, é realmente um barraco de madeira) vive promovendo "baile funk", quase todo fim de semana, em frente à janela do meu quarto, começando às 23h e terminando quase de manhãzinha. Não é incomum eu ver jovens (com certeza menores de 18) bebendo -- ah, Fabio, todo mundo faz isso! Então tá, desculpa aê, pensei que fosse proibido... E, se não bastasse, os taxistas do ponto perto de casa disseram que aquela viela onde fica o barraco em questão é boca-de-fumo. Não duvido, tem realmente muita movimentação suspeita por lá.

Como se pode ver, minhas informações não são precisas, não tenho descrição física dos criminosos (furto de energia é crime) nem sou testemunha ocular de tráfico de drogas (os taxistas têm, e costumam negar corrida quando o potencial cliente pede para ir para lá e tem cara/comportamento de usuário/comprador). "Baile funk" não é crime, mas som altíssimo, é (só não sei se vale apenas para estabelecimentos comerciais).

Resumo da ópera: a atendente do Disque-Denúncia me fez sentir um típico "branquelo riquinho preconceituoso" que estava simplesmente incomodado com o barulho de uma festinha de gente pobre, e que exagerava o problema para chamar a atenção das autoridades. Para tudo, ela queria informações mais detalhadas. "Não sei o nome da rua, é uma viela, não existe no mapa formalmente"; "não, não sei o número do barraco -- nem deve ter!"; "não, não vi drogas sendo comercializadas, é apenas informação que circula pelo bairro, alguém precisa investigar".

Sim, eu sei, quanto mais informação, melhor! Mas a polícia deveria se contentar com qualquer ajuda que a população se voluntariar a fornecer a ela, e trabalhar com o que tem. Algo é melhor que nada. E, se a população vir a polícia trabalhando, investigando, capturando criminosos, aumentará a confiança daquela nesta, e o número de informações fornecidas pela população tente a aumentar. Foi assim em vários lugares (ler dois ótimos livros da Coleção Polícia e Sociedade da EdUSP, "Nova Polícia: Inovações nas Polícias de Seis Cidades Norte-Americanas" e "Policiamento Comunitário: Questões e Práticas Através do Mundo" -- se quiser, empresto).

Outra coisa que o Disque-Denúncia (ou aquela atendente em particular) peca por não entender: as chamadas "ofensas contra a qualidade de vida", como barulho de motocicletas que ficam rodando pelo bairro por diversão, as festas barulhentas, as pequenas depredações urbanas etc., tudo isso diminui o vínculo afetivo que os moradores têm com a região onde moram, e diminuem a predisposição desses moradores para acionar as autoridades no caso de outras violações (ler o ótimo "Disorder in Urban Neighborhoods: Does It Lead to Crime?"). Cuidar desses crimes ou infrações que parecem "pequenos" faz com que a população coopere para que a polícia resolva os crimes "graúdos".

Mas não. Eles conseguiram me fazer sentir culpado por fazer uma denúncia. Parabéns, Disque-Denúncia: um denunciante a menos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário