Gazeta Mercantil, 31/7/2008, Caderno A, Pág. 8
O Brasil que esquecia a cada 15 anos o que acontecera nos 15 anos anteriores é coisa de antigamente. Como tudo vai ficando mais rápido, menos o trânsito, o intervalo entre uma e outra lobotomia coletiva foi dramaticamente reduzido. A imprensa faz o que pode para retardar o engavetamento, ou torná-lo menos abrangente. Mas poucas lembranças conseguem hospedar-se na memória nacional por um tempo superior ao das estações do ano. O país agora esquece a cada três meses o que aconteceu nos três meses anteriores.(Augusto Nunes - Diretor-Editorial - Grupo CBM. E-mail: augusto@jb.com.br)
Brasileiro sempre foi desmemoriado, mas até um Paulo Maluf, que se gaba de chamar pelo nome completo todos os integrantes da família real saudita, tem de esforçar-se para lembrar por muito tempo os acontecimentos do sanatório geral brasileiro. É muita lembrança ruim. É um escândalo atrás do outro. É muita bandidagem na classe executiva. Não há memória que agüente.
Neste começo de inverno, por exemplo, o concubinato dos deputados e traficantes do Rio disputa espaço no noticiário com a quadrilha de doutores e excelências chefiada por Daniel Dantas, que pousou nas manchetes outro dia. Pois quando a primavera vier outros vilões terão transformado em lembranças remotas os parlamentares homicidas, os ditadores das favelas, até mesmo o primeiro escroque internacional fabricado aqui.
Além de curta, impaciente, leviana, a memória nacional é pouco espaçosa: só cabe um escândalo por vez. Foi por isso que durou meia dúzia de fotos na primeira página a passagem do ex-banqueiro Salvatore Cacciola pelo noticiário dominado por Dantas e seus comparsas. O repertório de escândalos descoberto pela Operação Satiagraha arquivou o escândalo da máfia dos fiscais, que arquivou o escândalo do casal Garotinho, que arquivou o escândalo da VarigLog, que arquivou o escândalo da Providência, que arquivou o escândalo do dossiê contra FH, que arquivou o escândalo do deputado Paulinho da Força, que arquivou o escandaloso prontuário do deputado Álvaro Lins.
Se as espantosas bandidagens do outono vão sendo esquecidas, é compreensível que pareçam ter acontecido nos tempos do Descobrimento as ocorrências do último verão. O Brasil não sabe ao certo se a Floresta Amazônica ficou maior ou menor. Não descobriu onde pasta a boiada apreendida pelo ministro Carlos Minc. Nem imagina que fim levou a tremenda operação montada pelo ministro Tarso Genro para acabar com as madeireiras clandestinas. Quer saber se já ficou pronto o terceiro aeroporto de São Paulo. E não se lembra em que desvão da memória foi enterrado um certo escândalo do mensalão.
Essas lembranças ficarão ainda mais antigas, desbotadas ou esquecidas de vez quando forem iluminados os porões em que vai tomando forma, sob o olhar bovino da nação, outra ilegalidade bilionária: a absorção da BrT pela Oi. O Brasil que esquece o escândalo que acabou de acontecer começa a esquecer previamente o escândalo que ainda nem aconteceu.
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