segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Justiça fiscal

[...] se a proposta "é fazer justiça fiscal", ela deve ser feita "por meio do gasto e não por meio da receita"
Everardo Maciel

É tão difícil assim entender esse conceito?! Comentários meus no final do artigo.

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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

Para especialistas, país deveria ampliar a tributação sobre a renda e o patrimônio

DA REPORTAGEM LOCAL

Apenas aumentar o número de alíquotas do Imposto de Renda não resultará em maior progressividade na tributação das pessoas físicas, conforme sugeriu a nova secretária da Receita, Lina Maria Vieira.
Para especialistas no assunto, mais do que criar novas alíquotas para o imposto, o Brasil precisa mudar o foco da tributação, hoje excessiva sobre o consumo e reduzida sobre a renda e o patrimônio. Seguindo uma tendência quase absoluta no mundo, seria preciso fazer exatamente o contrário, entendem os especialistas.
Para Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo FHC, "não é preciso mexer no que está aí [as duas alíquotas]. A proposta é ultrapassada. É ridículo propor mais alíquotas e improvável que isso venha a prosperar".
"Aumentar o número de alíquotas é uma decisão retrógrada. A União Européia, por exemplo, estuda a possibilidade de criar alíquota única", afirma a advogada Elisabeth Libertuci, do escritório Libertuci Advogados Associados.
O advogado Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), também defende a maior tributação sobre o patrimônio e a renda -no caso, renda definida como a sobra do rendimento destinada ao acréscimo patrimonial. "É típico de países pobres tributar o consumo e não a renda e o patrimônio. O Brasil precisa mudar esse foco."
Para o advogado Fernando Aurelio Zilveti, doutor em direito pela USP e professor da Escola de Administração da FGV, já é tempo de o país implementar a tributação mais efetiva sobre a renda, seguindo os moldes internacionais. "Aumentar excessivamente a progressividade ou o número de alíquotas do IR seria um atentado à eficiência fiscal."

Simplificar mais
Segundo Everardo, nenhum país criou mais alíquotas ou elevou a progressividade do IR de 1970 para cá, pois "a tendência mundial é simplificar cada vez mais". Além disso, se a proposta "é fazer justiça fiscal", ela deve ser feita "por meio do gasto e não por meio da receita".
Libertuci ressalta um aspecto negativo com a criação de alíquotas maiores -no caso de elas serem propostas pela Receita. "Haverá maior evasão, mesmo com o vasto arsenal anti-sonegação à disposição da Receita. O brasileiro é muito criativo. Alíquotas maiores são um risco desnecessário."
Ela diz que comparar as alíquotas nominais brasileiras com a de outros países, como argumento para criar alíquotas muito altas, gera distorção. "O que vale são as alíquotas efetivas, já consideradas as deduções permitidas."
Segundo a advogada, embora tenha alíquota nominal maior do que a brasileira, os EUA praticam alíquota efetiva em torno de 20%. "No Brasil, quem ganha R$ 8.000 por mês já tem alíquota efetiva de 20%; com R$ 10 mil, de 22%."
Amaral diz que um estudo do IBPT mostra que, no Brasil, a tributação é dividida em 65% sobre o consumo, 3,5% sobre o patrimônio e 31,5% sobre a renda. "O Brasil é um dos países que mais concentram a tributação sobre o consumo. Nos EUA e na Europa ocorre exatamente o oposto." (ver quadro acima).
Para o advogado, novas alíquotas poderiam ser criadas, desde que fossem observados dois detalhes: teriam de ser menores e maiores do que as atuais (o ideal seriam sete, entre 5% e 35%, com intervalos de cinco pontos) e que, ao mesmo tempo, fosse permitido abater parcela maior com educação -o limite para este ano foi de R$ 2.480,66 por pessoa-, os gastos com material e transporte escolar, com remédios de uso contínuo, as despesas com aluguel e os juros do SFH. (MC)

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1708200820.htm

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O conceito de redistribuição de renda depende do que você paga e do que você recebe de volta. É essa diferença que diz se você deu renda para os outros, ou recebeu renda dos outros. Por que não fazer justiça social (ou fiscal) pela receita, então? (1) Aumenta complexidade do sistema (o custo de se pagar impostos, sem contar os impostos em si); (2) Aumentam as oportunidades de sonegação; (3) Distrai do que deveria ser o principal foco da população e da mídia: os gastos públicos, onde é gasto, para quê e para quem, sua eficiência/efetividade etc.

Eu, particularmente, prefiro que a tributação seja feita pelo consumo, por um motivo bastante simples: é mais fácil e mais barato fiscalizar 1 milhão de empresas do que 100 milhões de trabalhadores. Posso estar redondamente enganado (não estudei muito a fundo o tema), mas me parece bom senso.

Aliás, dá para tributar a renda mais fortemente seguindo a mesma lógica, se acabarmos com todas as alíquotas e faixa de isenção. Exemplo: tributa-se X% do faturamento de todas as empresas, direto na conta bancária delas, como uma CPMF (na receita em vez de no desembolso). É como se tributássemos a folha de pagamento, mas sem precisar que a empresa fique calculando as várias alíquotas, imposto disso, imposto daquilo, este está isento etc. E, melhor: se a empresa contrata algumas pessoas como PJ, muito comum hoje, não será mais vantagem tributária nenhuma (o que as pressionará para registrar todos os funcionários em carteira, já que não há mais diferença do ponto de vista tributário).

Mas tem um grande problema: como fazer isso num país em que a maior parte dos trabalhadores não são registrados formalmente em carteira? Talvez por isso tenhamos optado por concentrar a maior parte da tributação no consumo. Novamente: mais fácil e mais barato fiscalizar 500 mil negócios informais do que 50 milhões de trabalhadores informais. É por praticidade, mais do que por princípio.

O princípio, aliás, é o mesmo em qualquer um dos sistemas: um dos papéis fundamentais do Estado é o distributivo. E, regem os princípios morais e políticos mais elementares, essa distribuição deveria ser feita em benefício daqueles que menos têm. Aqui não há distinção ideológica: até o mais liberal dos "neoliberais" defende que os gastos do governo sejam "pró-pobres" -- é o segundo item do Consenso de Washington, diga-se de passagem, logo abaixo de disciplina fiscal (que até os "neobolcheviques" seguem).

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