quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Beco com saída

Aquele beco é uma metáfora para ilustrar o encontro da viabilidade numa cidade com tantos riscos de inviabilidade

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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008


GILBERTO DIMENSTEIN

Beco com saída

MORADOR DA FAVELA de Heliópolis, criado pelos avós (sua mãe tinha 16 anos quando ele nasceu), sem contato com o pai, Jefferson Pereira da Silva imaginou que, se trabalhasse no estacionamento de uma faculdade, talvez tivesse a chance de conhecer alguém que o ajudasse a estudar psicologia. "Logo vi que ficaria estacionando carros o resto da minha vida."
Acabou achando uma saída para seu futuro, longe da psicologia: a saída estava no palco. Jefferson decidiu ser ator.
Na próxima semana, ele sobe ao palco para contar a história de um jovem que descobriu uma saída num beco. Terminado o espetáculo, Jefferson convidará os espectadores a caminharem até o beco que inspirou a peça.

 
O caminho de Jefferson até o teatro começa no violino. Ele começou a estudar violino na orquestra sinfônica criada pelo maestro Silvio Bacarelli, em Heliópolis. "Por várias vezes pensei em desistir, precisava trabalhar. Queria ganhar meu próprio dinheiro, sem depender dos meus avós." E aí foi trabalhar no estacionamento da faculdade, na aposta que, se tivesse sorte, viraria psicólogo. "Meu sonho era ser violinista e psicólogo." Mas, no íntimo, temia ter de sobreviver de bicos.
Conseguiu, então, uma remuneração mensal para tocar regularmente na orquestra sinfônica. Até que apareceu a oportunidade de participar de uma peça ("Acorda Brasil"), escrita pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, inspirada no trabalho do maestro Bacarelli. Só aceitou fazer o teste por insistência dos colegas. "Sou muito tímido."
Fez um papel de um marginal, era temido por todos, sempre andava com um revólver na cintura. Por causa de um professor de música, o personagem, no final, troca a arma por um violino.
As cenas de violência que integram seu cotidiano foram para o palco: "Muitas pessoas que eu conhecia morreram ou foram presas".
 
Pela sua atuação, Jefferson foi chamado para o elenco de "O Beco", escrito por Patrícia Secco, a partir da experiência da conversão de um beco na Vila Madalena em espaço de arte e convivência. Seu personagem é, agora, um pichador que se transforma em grafiteiro.
O espetáculo é gratuito e prevê que os espectadores façam uma visita de ônibus aos espaços que inspiraram a peça. Jefferson será um dos guias que os levará da ficção à realidade. "Meu prazer está no poder de encantamento da arte. Até um beco fica com saída."
Aquele beco é uma metáfora para ilustrar o encontro da viabilidade numa cidade com tantos riscos de inviabilidade -mais ou menos como a própria vida de Jefferson.
Mas a saída dele está apenas no começo: resolveu apostar na carreira de ator. Vai agora, aos 24 anos, passar por um dos seus testes mais difíceis: prestar, neste ano, o vestibular para estudar teatro na USP.

gdimen@uol.com.br

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2210200812.htm

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