Edward Osborne Wilson é um importante entomologista, vencedor de alguns prêmios Pulitzer e de outras honrarias científicas e não-científicas.
Há quase 50 anos, ele descobriu a importância dos feromônios na comunicação entre formigas. Aliás, pesquisas posteriores mostraram que os feromônios são usados por muitos outros animais para se comunicar com membros da mesma espécie.
Uma história engraçada, contada por ele num episódio do ótimo podcast Radiolab (que busca popularizar a produção e o conhecimento científicos nos mais variados temas, de biologia à física à antropologia), fala sobre o momento em que Wilson havia descoberto vários sinais químicos diferentes emitidos pelas formigas por meio dos feromônios.
Um desses sinais é enviado pela formiga quando ela morre, e trata de avisar as outras formigas sobre seu óbito. Elas então recolhem o corpo do defunto, arrastando e arremessando-o numa espécie de "vala comum". Wilson realizou experimentos para confirmar a descoberta, incluindo "pincelar" este feromônio numa formiga viva e saudável. Não deu outra: por mais que a coitada se esperneasse, como que gritando "estou viva!", as outras formigas seguiam em seu ritual fúnebre, e a formiga morta-viva era por fim arremessada junto com as definitivamente mortas.
O ser humano também é capaz de se comunicar por meio dos feromônios, mas a linguagem e outros elementos culturalmente construídos por nós tomaram seu espaço. Na cultura ibérica, por exemplo, os documentos ganham uma importância "vital".
Apesar de gostarmos muito de papear, e termos as línguas mais gostosas para a prosa (tanto espanhol quanto o português), nossa tradição é muito mais escrita, documental, que oral. Criamos redes imensas de cartórios, tabeliães, guichês disso e daquilo, adoramos exigir reconhecimento de firma, apresentação de diversos documentos, registros, carteiras, certidões positivas e negativas, e ainda pedimos para a outra parte assinar aqui, ali e acolá -- em três vias.
Pensando bem, o experimento de Wilson com a formiga morta-viva não é assim tão diferente da história abaixo, se trocarmos a expressão "feromônio da morte" por "certidão de óbito"...
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São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Homem terá de ir à Justiça para provar que está vivo
RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um homem terá de entrar na Justiça para provar que está vivo, após ter descoberto que um atestado de óbito com seu nome foi emitido indevidamente, em agosto último. O erro foi do hospital estadual Padre Bento, em Guarulhos (Grande SP). O atestado, segundo o hospital, era para um homônimo.
Desde então, o padeiro desempregado Paulo Cezar dos Santos, 41, passou a conviver com os transtornos de estar juridicamente morto: perdeu o benefício de R$ 620,50 que recebia do INSS e não pode votar.
"Estou desempregado, não tenho dinheiro para pagar o aluguel nem para pegar um ônibus. E morto para a sociedade. Vou entrar na Justiça e entregar na mão de Deus", diz Santos, que mora com as filhas, de oito e dez anos, em Cangaíba, na zona leste da capital.
Santos sobrevive com a ajuda de parentes. Para "voltar à vida", o padeiro terá de entrar com uma ação cível para cancelamento de certidão de óbito, cujo julgamento pode levar de três meses a um ano, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo -que diz que não cabe uma liminar. O órgão afirma que esse tipo de ação é "raríssimo".
"Quem causou o erro não pode mais fazer nada para corrigir. É preciso entrar na Justiça", diz Ademar Gomes, presidente da Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas de SP), que presta assistência jurídica a Santos. A entidade irá ajuizar ações de indenização e responsabilização criminal.
Santos conta que ficou internado no hospital em junho de 2006, após ter levado três tiros no rosto, ao reagir a um assalto -o que o deixou com sequelas. Desde então, ele frequenta o hospital mensalmente, para sessões de acompanhamento pós-cirúrgico. Ao ter o benefício do INSS cortado em agosto, ele diz que procurou saber do hospital o motivo. A resposta: seu nome havia ido para o "arquivo morto". "Só consegui falar com a diretora uma vez, em dezembro. Ela disse que ia dar um jeito no meu caso, mas não me explicou nada", diz Santos.
A Secretaria de Estado da Saúde admitiu ontem que houve erro administrativo do hospital, que anexou os dados de Santos ao corpo de um homônimo seu que havia morrido.
O conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) Antonio Pereira Filho diz que a responsabilidade pelo atestado é do médico que o assina. Ele afirma que o Cremesp irá investigar o caso.
Segundo a certidão de óbito, o atestado foi assinado pelo médico-legista Roberto Vaz. Nem a Prefeitura de Guarulhos nem a Secretaria Estadual de Segurança Pública confirmaram ontem se Vaz trabalha para o Serviço de Verificação de Óbitos ou para o IML local.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2901200903.htm
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