Secular humanism FTW!
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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2008
ENTREVISTA: LUC FERRY
Problemas privados são os problemas políticos de hoje
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
ESCRITOR BEST-SELLER , Luc Ferry defende que os pensadores mais profundos, de Platão a Nietzsche, renunciaram muitas vezes ao jargão em nome de uma filosofia mais acessível, como seria o caso de "Aprender a Viver", seu mais famoso livro. No recém-lançado "Família, Amo Vocês", Ferry tenta simplificar sua teoria de que a política, esfera pública por excelência, tem muito o que aprender com a família, esfera privada. Leia trechos da entrevista feita por e-mail.
FOLHA - Segundo o senso comum, a estrutura familiar é essencial para a lógica do capitalismo e do consumo. Isso mudou com as famílias fragmentadas, monoparentais?
LUC FERRY - Houve três eras da família. Na Idade Média não se casava por amor, mas para transmissão do nome e patrimônio, "fabricar" crianças e fazer viver a exploração agrícola. De resto, não se casava, se era casado pela família ou pelo vilarejo. É a invenção do assalariado pelo capitalismo incipiente que abala a situação. E vai levar o indivíduo a se emancipar do peso das comunidades tradicionais, por uma razão simples: o mercado de trabalho que logo irá se globalizar força os indivíduos a trabalhar nas grandes cidades. Os indivíduos se livram das formas tradicionais de controle social e adquirem autonomia financeira. A jovem que no campo casa-se à força encontra-se autônoma na cidade. Isso vai levá-la a querer não mais se casar à força, mas por afinidade eletiva. É o nascimento do casamento por amor. É preciso acrescentar que, antes do casamento por amor se tornar a regra, ou quase, como é o caso de hoje, há uma época intermediária, da família burguesa, em que não se divorciava. Mas isso é uma ilusão, porque o divórcio é o avesso do casamento por amor: se você fundamenta o laço familiar no sentimento e não mais na economia, o fundamenta em algo que pode variar. Paradoxalmente, as famílias monoparentais são um resultado do casamento por amor.
FOLHA - Em sua opinião, qual tipo de ligação existe entre as famílias modernas: não são também determinadas pelo individualismo?
FERRY - O individualismo não tem muito a ver com o egoísmo. O individualismo é ligado à emancipação em relação às tradições comunitárias. Uma mulher que hoje se recusa a se casar à força no Irã tem um comportamento "individualista", não egoísta. E o amor, na esfera privada, tem sido fator de ampliação do pensamento e dos horizontes. Nunca demonstramos tanta preocupação com o outro como nas sociedades modernas. Na Europa, passamos nosso tempo pensando no mal que causamos com a colonização, nos erros cometidos pela globalização em relação aos pobres etc. Isso está ligado à história da família moderna. A humanidade moderna é ligada diretamente à história do casamento por amor. É o amor privado que fez com que o mundo ocidental tivesse simpatia por outras civilizações. Antes, ninguém se interessava por elas senão com o olhar do colonizador. A oposição clássica do privado e do público não reside mais onde pensamos. Como todos temos os mesmos problemas de casamentos fracassados ou bem-sucedidos, divórcio etc., agora o privado não é mais tão privado como pensávamos. A tese do meu livro é a de que os problemas aparentemente privados são os políticos de hoje: a dívida pública ou o choque de civilizações não teriam tanta importância política se a questão por trás não fosse a do mundo que queremos deixar às nossas crianças ou, de modo mais chique, às gerações futuras.
FERRY - A sacralização da esfera privada como elo principal do sentido da vida como se vê hoje na Europa não representa, como se costuma afirmar de modo blasé, recuo individualista, mas, ao contrário, uma formidável ampliação de horizontes. Diante da valorização da intimidade, o reflexo político mais corrente consiste em declarar, com nostalgia na voz, que, como as instituições "grandiosas" (Deus, pátria, a república etc.) subsistiram por tanto tempo, nós nos conformamos, de modo mais ou menos medíocre, com o que resta: a família com, no máximo, um pouco de senso humanitário e ecológico. Acredito no oposto. Os problemas aparentemente individuais são coletivos. Todos temos mais ou menos os mesmos problemas, de modo que o individual não é o contrário do político. Como a política, esfera pública por excelência, pode tirar partido das revoluções que abalam seu oposto natural, a esfera privada? Como não perder de vista questões cruciais de economia e geopolítica, ao mesmo tempo conduzindo em escala nacional uma política que, enfim, libera a vida privada e ajuda os indivíduos a superar as desigualdades que os impedem de desabrochar? Uma coisa é certa: quem achar a resposta será o grande político do século!
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2807200818.htm
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