Eu não fazia a menor idéia de qual era a densidade populacional nas favelas paulistanas! Na minha ignorância, achava que áreas cheias de prédios de 15 andares teriam densidade muito maior. Não computei a ausência de ruas amplas e calçadas, e o baixo número de moradores por unidade (chutaria "menos de três").
Eles mencionaram o possível impacto em termos de saúde pública (o risco de contágio de doenças é muito maior), mas também fiquei imaginando se esse também não seria um fator de tensão social (descontadas as precárias condições de habitação, ausência de equipamentos públicos, ruas mal-iluminadas etc.) que, em última análise, alimentaria a violência na região (sobretudo agressões físicas e homicídios, que são resoluções violentas de conflitos).
De qualquer maneira, é um problema que vem se agravando na cidade e, como muitos outros problemas que não afligem diretamente a classe média paulistana, está fora do debate eleitoral (e da opinião pública).
* * *
São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2008
Saturadas, favelas se verticalizam em SP
Embora não haja mais espaço para construir, população desses locais aumentou; "predinhos" são o retrato do fenômeno
Crescimento populacional nas favelas foi 660% maior que o de SP entre 2000 e 2007, mas área total que elas ocupam na cidade caiu
TALITA BEDINELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quando a dona-de-casa Alaíde Souza, 62, se mudou para a favela de Paraisópolis (zona sul de SP), no final dos anos 60, via de sua janela um imenso matagal. Nesses 40 anos, ela acompanhou a construção de inúmeros barracos de madeira, que se transformaram em casas de alvenaria e, pouco a pouco, ganharam novos andares. Hoje, Alaíde vê uma favela vertical.
Paraisópolis, que é a maior favela em área da cidade (com 0,8 km2, quase metade do distrito da Sé), passa por um fenômeno que os urbanistas chamam de adensamento urbano: já não há mais espaço para construir, mas a população continua a aumentar.
O fenômeno não é exclusivo de lá: as favelas da cidade passaram por um crescimento populacional 660% maior do que a média de São Paulo entre 2000 e 2007. No período, o número de habitantes na cidade aumentou 0,55% ao ano, segundo a Fundação Seade; o das pessoas que vivem em favelas, 4,18%, segundo o CEM (Centro de Estudos da Metrópole) e o site Habi-SP (um banco de dados inédito da Secretaria de Habitação sobre as favelas da cidade, lançado neste ano).
O dado é contestado pela secretaria porque o CEM se baseia no censo do IBGE, com metodologia diferente da do Habi-SP. Contudo, urbanistas, como Suzana Pasternak, professora de urbanização da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, concordam com a comparação.
Apesar de a secretaria não ter dados exatos, a superintendente de Habitação Popular, Elisabete França, admite que o aumento foi maior nas favelas. "A população da favela cresce mais porque o número de filhos que eles têm é maior."
As favelas têm 65 mil habitantes por km2 em SP -no distrito da Bela Vista, com a maior densidade da capital, há 23 mil pessoas por km2.
Embora com mais gente, a área que as favelas ocupam caiu: eram 28 km2 em 2003, contra 23 km2 em 2007, segundo a secretaria. Isso levou a um aumento "preocupante" da densidade demográfica delas, na opinião de Pasternak.
"Quando as casas são muito próximas, a circulação de ar não é muito eficaz. Um adensamento forte é um convite para doenças contagiosas", diz.
Novas favelas
Outro fenômeno é que, nos últimos 21 anos, há mais favelas desaparecendo do que novas ocupações surgindo. De 1987 a 2008, 548 foram removidos, urbanizadas ou se uniram -viraram uma só-, aponta a secretaria. Surgiram 362 favelas de 1987 a 2007, revela levantamento feito em junho pela Folha com base no Habi-SP. Há, nessas ocupações, 75.699 casas e cerca de 304 mil habitantes.
Desde 2001, não surgem mais de dez favelas por ano. A média histórica anual desde 1934 é de 20.
A queda, segundo a secretaria, se deve a uma maior fiscalização, especialmente nas áreas de mananciais, na zona sul, onde hoje ficam 50% das favelas. Nos últimos 20 anos, as favelas passaram a ir para a zona leste.
Para urbanistas, outro motivo para haver menos favelas é a escassez de terrenos vagos. "A população mais pobre consegue espaço só nos lugares que não interferem nos ganhos imobiliários. E encontra limites físicos como a serra da Cantareira, ao norte, e os mananciais, ao sul. A escassez de terras para ocupações é um fenômeno mundial", diz Mariana Fix, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da USP.
A falta de espaço e o excesso de gente levou ao processo de verticalização visto pela dona-de-casa Alaíde, em Paraisópolis, e em outras favelas da cidade, explica Pasternak. "As pessoas não saem da favela porque está difícil de sair. Desde 1980, também se começou a colocar infra-estrutura, como água e luz, melhorando as condições", diz. "Hoje, é possível ver favelas com predinhos grudadinhos uns nos outros."
Os "predinhos" são, de fato, casas construídas umas sobre as outras, em cima de lajes, que servem para abrigar filhos do proprietário do imóvel, ou, até mesmo, para alugar.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1407200801.htm
Eles mencionaram o possível impacto em termos de saúde pública (o risco de contágio de doenças é muito maior), mas também fiquei imaginando se esse também não seria um fator de tensão social (descontadas as precárias condições de habitação, ausência de equipamentos públicos, ruas mal-iluminadas etc.) que, em última análise, alimentaria a violência na região (sobretudo agressões físicas e homicídios, que são resoluções violentas de conflitos).
De qualquer maneira, é um problema que vem se agravando na cidade e, como muitos outros problemas que não afligem diretamente a classe média paulistana, está fora do debate eleitoral (e da opinião pública).
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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2008
Saturadas, favelas se verticalizam em SP
Embora não haja mais espaço para construir, população desses locais aumentou; "predinhos" são o retrato do fenômeno
Crescimento populacional nas favelas foi 660% maior que o de SP entre 2000 e 2007, mas área total que elas ocupam na cidade caiu
Caio Guatelli/Folha Imagem Meninas em favela da Vila Nilo, na zona norte; ao fundo, um "predinho" |
TALITA BEDINELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quando a dona-de-casa Alaíde Souza, 62, se mudou para a favela de Paraisópolis (zona sul de SP), no final dos anos 60, via de sua janela um imenso matagal. Nesses 40 anos, ela acompanhou a construção de inúmeros barracos de madeira, que se transformaram em casas de alvenaria e, pouco a pouco, ganharam novos andares. Hoje, Alaíde vê uma favela vertical.
Paraisópolis, que é a maior favela em área da cidade (com 0,8 km2, quase metade do distrito da Sé), passa por um fenômeno que os urbanistas chamam de adensamento urbano: já não há mais espaço para construir, mas a população continua a aumentar.
O fenômeno não é exclusivo de lá: as favelas da cidade passaram por um crescimento populacional 660% maior do que a média de São Paulo entre 2000 e 2007. No período, o número de habitantes na cidade aumentou 0,55% ao ano, segundo a Fundação Seade; o das pessoas que vivem em favelas, 4,18%, segundo o CEM (Centro de Estudos da Metrópole) e o site Habi-SP (um banco de dados inédito da Secretaria de Habitação sobre as favelas da cidade, lançado neste ano).
O dado é contestado pela secretaria porque o CEM se baseia no censo do IBGE, com metodologia diferente da do Habi-SP. Contudo, urbanistas, como Suzana Pasternak, professora de urbanização da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, concordam com a comparação.
Apesar de a secretaria não ter dados exatos, a superintendente de Habitação Popular, Elisabete França, admite que o aumento foi maior nas favelas. "A população da favela cresce mais porque o número de filhos que eles têm é maior."
As favelas têm 65 mil habitantes por km2 em SP -no distrito da Bela Vista, com a maior densidade da capital, há 23 mil pessoas por km2.
Embora com mais gente, a área que as favelas ocupam caiu: eram 28 km2 em 2003, contra 23 km2 em 2007, segundo a secretaria. Isso levou a um aumento "preocupante" da densidade demográfica delas, na opinião de Pasternak.
"Quando as casas são muito próximas, a circulação de ar não é muito eficaz. Um adensamento forte é um convite para doenças contagiosas", diz.
Novas favelas
Outro fenômeno é que, nos últimos 21 anos, há mais favelas desaparecendo do que novas ocupações surgindo. De 1987 a 2008, 548 foram removidos, urbanizadas ou se uniram -viraram uma só-, aponta a secretaria. Surgiram 362 favelas de 1987 a 2007, revela levantamento feito em junho pela Folha com base no Habi-SP. Há, nessas ocupações, 75.699 casas e cerca de 304 mil habitantes.
Desde 2001, não surgem mais de dez favelas por ano. A média histórica anual desde 1934 é de 20.
A queda, segundo a secretaria, se deve a uma maior fiscalização, especialmente nas áreas de mananciais, na zona sul, onde hoje ficam 50% das favelas. Nos últimos 20 anos, as favelas passaram a ir para a zona leste.
Para urbanistas, outro motivo para haver menos favelas é a escassez de terrenos vagos. "A população mais pobre consegue espaço só nos lugares que não interferem nos ganhos imobiliários. E encontra limites físicos como a serra da Cantareira, ao norte, e os mananciais, ao sul. A escassez de terras para ocupações é um fenômeno mundial", diz Mariana Fix, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da USP.
A falta de espaço e o excesso de gente levou ao processo de verticalização visto pela dona-de-casa Alaíde, em Paraisópolis, e em outras favelas da cidade, explica Pasternak. "As pessoas não saem da favela porque está difícil de sair. Desde 1980, também se começou a colocar infra-estrutura, como água e luz, melhorando as condições", diz. "Hoje, é possível ver favelas com predinhos grudadinhos uns nos outros."
Os "predinhos" são, de fato, casas construídas umas sobre as outras, em cima de lajes, que servem para abrigar filhos do proprietário do imóvel, ou, até mesmo, para alugar.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1407200801.htm
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