"Quando me perguntam se entendi o que Mockus disse, eu digo que sim, para não parecer ser mais burro do que sou. Mas não entendo. Queria ver suas propostas concretas."
Empatado em 1º lugar nas pesquisas, candidato à Presidência colombiana leva "Kant para as massas" em campanha pelo interior do país
Comícios do político do Partido Verde parecem sessões de terapia de grupo; penetração de discurso entre os pobres é pequena
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A MANIZALES E PEREIRA (COLÔMBIA)
Nos comícios da campanha do Partido Verde à Presidência da Colômbia, o candidato Antanas Mockus é uma mistura de sacerdote kantiano e instrutor de terapia de grupo. "Agora, vire para seu vizinho e diga a ele: "Sua vida é sagrada'", pediu, sobre um palco modesto na praça principal da cidade de Pereira, centro do país, na última terça-feira.
O burburinho correu pela plateia de estimadas 4.000 pessoas. Os jovens -a grande maioria- obedeciam a instrução e aplaudiam. "O mandamento é "não matarás", e não: "não matarás enquanto estiver sendo bem atendido'", pregava Mockus.
A insistência no valor em si das normas morais, do imperativo de que sejam universais independentemente das circunscunstâncias, reverberava a ética do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) Kant para as massas? "Sinto-me honrado com essa descrição", respondeu à Folha Mockus, que também é filósofo, além de matemático.
Mockus, então, propõe um exercício. Dois voluntários sobem ao palco e, com ele, fazem a "dinâmica da confiança": deixar-se abandonar nos braços do companheiro. Como numa oração, todos repetem que "um dia" três colombianos quaisquer confiarão uns nos outros como ali. Mais aplausos.
O conjunto faz da cena algo inusual para a política latino-americana e para a colombiana em particular -país com histórico de clientelismo, ferido pelo mais longo conflito armado da região.
Poderia ser mais uma campanha que arregimentasse o voto de protesto, mas Mockus tem chances reais de chegar à Presidência.
O candidato do Partido Verde está empatado com o nome governista, o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, nas projeções para a votação de 30 de maio. Mockus levaria no segundo turno, por pouco.
Boris Salazar, professor da colombiana Universidade do Valle, explica que há 16 anos Mockus faz a pregação ética na Colômbia marcada por escândalos e corrupção. Não perdeu sua reputação de austero e honesto nas duas elogiadas administrações à frente de Bogotá.
O candidato propõe uma plataforma de economia e de segurança bastante próxima da do atual governo. Tudo isso, num momento de incertezas ante a impossibilidade legal de o popularíssimo Álvaro Uribe concorrer a um terceiro mandato, deflagrou a "maré verde".
"Mockus é pioneiro nessa política do século 21, que não apresenta grandes propostas, mas se conecta com o padrão mental do eleitor, que quer se identificar com o candidato, vê-lo como crível em seus valores. Muitos colombianos veem Mockus como um professor", afirma Salazar.
Até suas famosas excentricidades -como casar num circo montado num elefante- e a "gestualidade exagerada", segundo Salazar, fazem parte de "seu capital de autenticidade".
Candidato pop e Facebook
Mockus, 58, é um homem frágil, tem olhos de um azul suave. Anda devagar. Sua voz não alcança grande potência nem ao microfone. Define-se como de "estilo pouco assertivo" e causa alvoroços diários na campanha por suas declarações, consertadas depois por "o que eu quis dizer foi..."
Num dos dois dias em que a Folha acompanhou sua caravana pelo interior da Colômbia, o alvoroço foi a entrevista de rádio na qual Mockus disse que um dos seus pecados era "desejar a mulher do próximo" na católica Colômbia, que já debate suas credenciais religiosas. "Viram o que ele disse? Lá vamos nós", reclamava, bem humorado, o também ex-prefeito de Bogotá Luis Enrique Garzón, diretor político da campanha. Ele senta-se ao lado de Mockus nas coletivas de imprensa e puxa o microfone para si quando necessário.
"Mockus é o Beethoven do século 21, eu sou o Calle 13 do grupo", fala em referência ao reggaeton político e incisivo do grupo porto-riquenho. "Mockus é de centro-direita.
Tive de abrir mão de parte da minha agenda de esquerda para estarmos juntos. Mas, na Colômbia de hoje, com a guerrilha e o governo da Venezuela, não há espaço para a esquerda. Ele me fez entender que revolucionário mesmo é propor ética, acima de tudo", derrama-se.
Filho de lituanos que migraram para a Colômbia, Mockus tem uma barba esquisita. Não há nada em parte do queixo e tampouco há bigode, o que lhe dá um ar imediato de um quadrinho que ganhou vida. Não à toa ele virou um ícone pop rápido: há camisetas de todo tipo. No Facebook, designers competem para ver quem faz o melhor cartaz da campanha. O jingle oficial também é uma produção dos voluntários.
"Quem chegou aqui por meio do Facebook?", ele pergunta, e a plateia vibra. As redes sociais, segundo vários analistas, estão na base da chamada "maré verde", mas demonstram também seus limites.
Mockus fala pouco para os 45,6% de colombianos pobres. Na caravana pelo chamado "eixo do café", região deprimida pela crise do grão e também pela queda no comércio com a Venezuela, não houve paradas nas periferias. Nenhuma proposta para criação de empregos. A lacuna foi resumida por José Soares, 55, taxista de Manizales, a primeira parada da turnê. "Quando me perguntam se entendi o que Mockus disse, eu digo que sim, para não parecer ser mais burro do que sou. Mas não entendo. Queria ver suas propostas concretas."
Veja audiogaleria da enviada especial à Colômbia
www.folha.com.br/1013310
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1405201009.htm
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