Fiquei curioso para saber quanto tempo ele levou para fazer de bicicleta o mesmo trajeto que faço todos os dias de carro ou de metrô.
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São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Repórter-ciclista encara trânsito, buraco e palavrões
Às vésperas de início de projeto que oferece bicicletas, Folha percorre 15 km nas ruas de SP
Trajeto saiu da Praça da Árvore e foi até o Anhangabaú; passeio incluiu risco do tráfego intenso e hostilidade de motoboys nas ruas da cidade
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
O motoboy enfurecido cola na bicicleta do repórter e grita: "Ô tranqueira do "caráio'!". Com a moto inclinada, ele se esgueira numa inacreditável manobra e ultrapassa a bicicleta para entrar em uma rua de mão dupla, próximo à avenida Jabaquara (zona sul de SP).
Isso foi logo nos primeiros 500 m do percurso de cerca de 15 km, pedalados ontem pela reportagem para testar a viabilidade de um projeto de empréstimo e aluguel de bicicletas em oito estações do Metrô paulista. O projeto é do Metrô, em parceria com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
Para acompanhar o repórter no teste, convocou-se o experiente ciclista Otoni Gali Rosa, 69, que há seis anos pedala com grupos em percursos que chegam a 100 km.
Como o repórter alugou a bicicleta em Moema (zona oeste), precisa percorrer um bom trecho para chegar ao escritório de Gali, na Praça da Árvore, zona sul, local do encontro. De saída, tem de enfrentar avenidas como Indianópolis, Vergueiro e ruas largas como a Domingos de Morais.
Com a bicicleta embalada, em um momento de vento a favor, o ciclista vê seu caminho subitamente afunilado por um ônibus estilo centopéia que para no ponto.
Dele desce morosamente uma senhora de cabelos brancos, carregando duas sacolas cheias; ela pousa no asfalto ondulado o pé direito. A bicicleta quica na buraqueira.
Vindos do ponto de ônibus, o ciclista percebe olhares generalizados de desprezo. O capacete o faz se sentir meio ridículo, como se estivesse de peruca, prestes a atropelar uma velhinha.
Não dá pra repetir
A partir da Praça da Árvore, o risco aumenta até a estação Anhangabaú (centro). Quatro das oito estações desse percurso estão no projeto de aluguel de bicicletas: Vila Mariana, Paraíso, Sé, Anhangabaú. No trajeto, nenhum metro de ciclovia.
Pedalar sem a menor segurança entre ônibus, carros, carroças, carrinhos de supermercado, motos, pedestres, fumaça e buracos até pode, para quem gosta de esportes radicais, ser emocionante. Mas não dá pra repetir todos os dias.
"A CET não considera bicicleta como meio de transporte", admira-se o arquiteto Paulo de Tarso Martins, fundador de um grupo chamado Sampa Bikers, que tem 15 anos e reúne em seu cadastro 15 mil ciclistas. "Mas é sempre assim. Em véspera de eleição, o povo nos procura com projetos especiais para ciclistas. Não vou ajudar a eleger ninguém que vai nos esquecer depois."
Assessores informam que a CET não quer se manifestar sobre a declaração de Martins. Um deles diz que o Detran pode informar sobre a frota de bicicletas. No Detran, a assessora leva um susto. "Nós não temos nada a ver com isso".
Para Martins, Otoni e o presidente da Federação Paulista de Ciclismo, Fernando Mazzaron, não adianta começar um projeto sem infra-estrutura (ciclovias) e educação no trânsito.
A prefeitura promete inaugurar 12 km de ciclovia na Radial Leste, de um total de 25 km em construção.
Só de carro
Para quem se locomove apenas de carro há mais de 20 anos, e que portanto está acostumado ao ponto de vista do motorista, a atitude de Otoni no trânsito parece arrogante.
Ao atravessar as ruas que saem da avenida Vergueiro, por exemplo, e que podem ser acessadas por (muitos) automóveis, ele se limita a esticar o braço e a movimentar os dedos para que quem estiver vindo páre.
"Sabia que a distância mínima que os carros devem manter de uma bicicleta, segundo o Código Nacional de Trânsito, é de um metro e meio? E que um ciclista não deve pedalar a menos de um metro da calçada?", pergunta Otoni.
Mas ele mesmo reconhece que, com os exíguos 4,5 km de ciclovias, em relação aos 17 mil km de ruas e avenidas de São Paulo, nem mesmo os ciclistas estão preparados para viver uma experiência parisiense, como a que inspirou o projeto. Lá, desde 2007, alugam-se 10 mil bicicletas. Aqui, serão 80, 10 em cada estação, a R$ 2 a hora, R$ 50 a diária. Nos primeiros 30 min, o uso é gratuito.
"Poucos são os que andam de capacete, com lanterna e levam na mochila apetrechos para resolver qualquer problema que aconteça com a bicicleta. Na verdade, não dá pra chamar todo mundo que anda de bicicleta de ciclista", diz, apontando para um jovem que vem pela contramão, na calçada.
O repórter confessa que, já na metade do trajeto, mesmo como ciclista rechaçado pela massa motorizada, ainda tinha mais facilidade para entender a irritação dos motoristas.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0309200810.htm
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São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Repórter-ciclista encara trânsito, buraco e palavrões
Às vésperas de início de projeto que oferece bicicletas, Folha percorre 15 km nas ruas de SP
Trajeto saiu da Praça da Árvore e foi até o Anhangabaú; passeio incluiu risco do tráfego intenso e hostilidade de motoboys nas ruas da cidade
Joel Silva/Folha Imagem Ônibus ultrapassa bicicleta de repórter Paulo Sampaio, alugada na região de Moema (SP) |
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
O motoboy enfurecido cola na bicicleta do repórter e grita: "Ô tranqueira do "caráio'!". Com a moto inclinada, ele se esgueira numa inacreditável manobra e ultrapassa a bicicleta para entrar em uma rua de mão dupla, próximo à avenida Jabaquara (zona sul de SP).
Isso foi logo nos primeiros 500 m do percurso de cerca de 15 km, pedalados ontem pela reportagem para testar a viabilidade de um projeto de empréstimo e aluguel de bicicletas em oito estações do Metrô paulista. O projeto é do Metrô, em parceria com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
Para acompanhar o repórter no teste, convocou-se o experiente ciclista Otoni Gali Rosa, 69, que há seis anos pedala com grupos em percursos que chegam a 100 km.
Como o repórter alugou a bicicleta em Moema (zona oeste), precisa percorrer um bom trecho para chegar ao escritório de Gali, na Praça da Árvore, zona sul, local do encontro. De saída, tem de enfrentar avenidas como Indianópolis, Vergueiro e ruas largas como a Domingos de Morais.
Com a bicicleta embalada, em um momento de vento a favor, o ciclista vê seu caminho subitamente afunilado por um ônibus estilo centopéia que para no ponto.
Dele desce morosamente uma senhora de cabelos brancos, carregando duas sacolas cheias; ela pousa no asfalto ondulado o pé direito. A bicicleta quica na buraqueira.
Vindos do ponto de ônibus, o ciclista percebe olhares generalizados de desprezo. O capacete o faz se sentir meio ridículo, como se estivesse de peruca, prestes a atropelar uma velhinha.
Não dá pra repetir
A partir da Praça da Árvore, o risco aumenta até a estação Anhangabaú (centro). Quatro das oito estações desse percurso estão no projeto de aluguel de bicicletas: Vila Mariana, Paraíso, Sé, Anhangabaú. No trajeto, nenhum metro de ciclovia.
Pedalar sem a menor segurança entre ônibus, carros, carroças, carrinhos de supermercado, motos, pedestres, fumaça e buracos até pode, para quem gosta de esportes radicais, ser emocionante. Mas não dá pra repetir todos os dias.
"A CET não considera bicicleta como meio de transporte", admira-se o arquiteto Paulo de Tarso Martins, fundador de um grupo chamado Sampa Bikers, que tem 15 anos e reúne em seu cadastro 15 mil ciclistas. "Mas é sempre assim. Em véspera de eleição, o povo nos procura com projetos especiais para ciclistas. Não vou ajudar a eleger ninguém que vai nos esquecer depois."
Assessores informam que a CET não quer se manifestar sobre a declaração de Martins. Um deles diz que o Detran pode informar sobre a frota de bicicletas. No Detran, a assessora leva um susto. "Nós não temos nada a ver com isso".
Para Martins, Otoni e o presidente da Federação Paulista de Ciclismo, Fernando Mazzaron, não adianta começar um projeto sem infra-estrutura (ciclovias) e educação no trânsito.
A prefeitura promete inaugurar 12 km de ciclovia na Radial Leste, de um total de 25 km em construção.
Só de carro
Para quem se locomove apenas de carro há mais de 20 anos, e que portanto está acostumado ao ponto de vista do motorista, a atitude de Otoni no trânsito parece arrogante.
Ao atravessar as ruas que saem da avenida Vergueiro, por exemplo, e que podem ser acessadas por (muitos) automóveis, ele se limita a esticar o braço e a movimentar os dedos para que quem estiver vindo páre.
"Sabia que a distância mínima que os carros devem manter de uma bicicleta, segundo o Código Nacional de Trânsito, é de um metro e meio? E que um ciclista não deve pedalar a menos de um metro da calçada?", pergunta Otoni.
Mas ele mesmo reconhece que, com os exíguos 4,5 km de ciclovias, em relação aos 17 mil km de ruas e avenidas de São Paulo, nem mesmo os ciclistas estão preparados para viver uma experiência parisiense, como a que inspirou o projeto. Lá, desde 2007, alugam-se 10 mil bicicletas. Aqui, serão 80, 10 em cada estação, a R$ 2 a hora, R$ 50 a diária. Nos primeiros 30 min, o uso é gratuito.
"Poucos são os que andam de capacete, com lanterna e levam na mochila apetrechos para resolver qualquer problema que aconteça com a bicicleta. Na verdade, não dá pra chamar todo mundo que anda de bicicleta de ciclista", diz, apontando para um jovem que vem pela contramão, na calçada.
O repórter confessa que, já na metade do trajeto, mesmo como ciclista rechaçado pela massa motorizada, ainda tinha mais facilidade para entender a irritação dos motoristas.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0309200810.htm
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