quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Crime e castigo

Comentários no final do artigo. Ainda que por vezes a vontade é dizer "sem comentários...".

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São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Maníaco confessa crime pelo qual 3 estão presos há 2 anos

Jovens afirmam que à época só confessaram o assassinato de garota após terem sido torturados


ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Renato Correia de Brito, 24, William César de Brito Silva, 28, e Wagner Conceição da Silva, 25, estão presos desde agosto de 2006 sob a acusação de terem violentado sexualmente e assassinado Vanessa Batista de Freitas, 22. Os três sempre disseram à Justiça que só confessaram o crime porque foram torturados por policiais.
Os três rapazes afirmam terem sido torturados com sacos plásticos, gás de pimenta, choques elétricos, socos, tapas e pontapés em uma região despovoada de Guarulhos e no 1º Distrito Policial da cidade.
Tanto que, na próxima semana, estava previsto que eles deveriam ir para o banco dos réus do Tribunal do Júri para serem julgados pela morte de Vanessa, ex-companheira de Renato.
A situação jurídica de Renato, William e Wagner começou a mudar na noite de sexta-feira passada, quando Leandro Basílio Rodrigues, 19, chamado pela polícia de "maníaco de Guarulhos", confessou com detalhes ao delegado Jackson Cesar Batista que havia matado Vanessa em um matagal do Jardim Alice, periferia de Guarulhos.
A partir da confissão de Rodrigues, o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira, o mesmo que havia denunciado os três à Justiça pelo crime, pediu ao juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano, do Tribunal do Júri de Guarulhos, para revogar a prisão preventiva dos três acusados. O juiz acolheu o pedido de Oliveira e os três deverão ser soltos ainda na manhã de hoje.
Com mais esse crime contra Vanessa, subiu para seis o número de mulheres que Rodrigues, preso desde 27 de agosto, confessa ter matado. As mortes de Vanessa Kimura e de uma grávida também são investigadas como tendo sido cometidas pelo "maníaco de Guarulhos".

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0309200801.htm

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Dada minha minúscula tolerância à dor e à idéia de ser torturado, é possível que eu confessasse a autoria dos mesmos crimes por muito menos, talvez pela simples menção ou ameaça de tortura -- o que não deixaria em mim nenhuma marca para provar a alegação de confissão sob tortura.

O problema não é apenas o da violência policial (aliás, quem torturou não merece receber o honroso título de policial, visto que são criminosos). Isso é sintoma. É sintoma de uma polícia não-preparada para o papel investigativo. Não estou generalizando isso para todos os policiais. Temos focos de excelência na Polícia Civil de São Paulo, e avançamos muito com relação a duas décadas atrás -- período habilidosamente retratado por Tiras, gansos e trutas: cotidiano e reforma na polícia civil, de Guaracy Mingardi (não à toa, mereceu um capítulo inteiro da minha tese de doutorado para analisar todos os elementos que ele trouxe para o debate sobre segurança pública no Brasil).

Mingardi mostrou os mecanismos e a estrutura perversa de incentivos que fazem com que a corrupção policial não apenas coloque inocentes atrás das grades e deixe perigosos criminosos fora dela, mas que realimentam o problema, gerando mais, e não menos, criminalidade. É difícil mostrar toda a cadeia (sem trocadilhos) do raciocínio sem tornar esse post imenso e pesado de ler (aliás, já está). Para quem tem dúvidas, indico o livro acima, ou ofereço minha tese, para quem quiser se informar mais (e, acredito, melhor) sobre o assunto.

Isso sem falar que os três rapazes que foram presos injustamente não sentirão apenas alívio. Depois do alívio, vem a indignação e o ódio. E são vítimas perfeitas para serem capturadas pelo crime organizado, que lhes oferecerá a chance de se "vingar contra o sistema". Os policiais que deixaram de fazer seu trabalho investigativo em troca do aparentemente menos trabalhoso trabalho de tortura podem ter, inadvertidamente ou não, criado mais três criminosos...

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