"Os políticos brasileiros são os mais católicos do mundo: não assinam nada sem levar um terço."
São Paulo, terça-feira, 9 de março de 2010
Estudo da PF indica que superfaturamento em obras públicas consome quase 30% dos recursos e é prática generalizada
NÃO É INCOMUM QUE autoridades brasileiras rechacem os rankings de corrupção divulgados anualmente pela Transparência Internacional por considerá-los imprecisos e falaciosos.
Além do fato de o país aparecer em posições constrangedoras, os critérios adotados pela organização não governamental são depreciados por seu aspecto subjetivo -não se trata de medir a corrupção, mas de aferir como os diversos governos são avaliados neste quesito por analistas e homens de negócios.
No último sábado, relatório da Polícia Federal, obtido pela Folha, conferiu alguma objetividade àquilo que nos rankings é apenas percepção. Levantamento feito pelo Serviço de Perícias de Engenharia e Meio Ambiente da PF apontou superfaturamento de cerca de R$ 700 milhões em 303 obras inspecionadas.
O trabalho conclui que de cada R$ 100 desembolsados pelo poder público, R$ 29, em média, foram superfaturados. Ainda que se levem em conta algumas ressalvas à inspeção, apontadas por empresas, e o caráter por ora inconcluso da investigação, o resultado não deixa dúvida quanto à gravidade do fenômeno.
Pelos quatro cantos do país, da esfera federal à municipal, cerca de 30% do dinheiro do contribuinte aplicado em prédios, obras viárias, sistemas de esgoto, portos e aeroportos pode escoar pelo ralo da corrupção.
Em valores absolutos, Rio de Janeiro, Goiás e São Paulo, nesta ordem, lideram este novo ranking da dissipação de recursos públicos, com um total de R$ 418 milhões. Embora tenham sido periciadas no ano passado, as obras em questão datam de períodos variados. Há contratos assinados de 1994 a 2009.
Nas palavras do diretor técnico-científico da PF, o estudo evidencia "uma prática de sobrepreço reinante", que irriga "diversos gabinetes e setores".
Note-se que o trabalho refere-se apenas a uma modalidade de malversação. Além do superfaturamento, há, como se sabe, uma miríade de artifícios criada pela imaginação de políticos e governantes com o intuito de alimentar suas campanhas e contas bancárias. Casos de fraudes em concorrências, propinas, caixa dois, comissões e pagamentos por tráfico de influência são corriqueiros no noticiário político, por vezes demasiadamente próximo da crônica policial.
A corrupção não é um mal que aflige apenas a sociedade brasileira, mas é inegável que aqui os desvios são incentivados pela cultura da desinformação, do compadrio e da impunidade. Não será com instâncias de fiscalização ornamentais e casos encerrados sem punição que esse quadro será modificado.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0903201001.htm
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