quinta-feira, 19 de junho de 2008

Gulag brasileira

É para essas instituições que muitos defendem mandar mais pessoas por mais tempo? Ou decreta-se prisão perpétua para todos os crimes ou, ao saírem, certamente estarão piores do que quando entraram para o sistema prisional. Ou seja, é a Justiça produzindo criminalidade.

Por favor não me venham com o argumento furado do efeito dissuasório (é tão ruim que ninguém quer cometer crime novamente e voltar), e de que "se fosse bom, todo mundo iria querer voltar" (ótima tese de Laura Frade, O que o Congresso Nacional brasileiro pensa sobre a criminalidade?, mostra que este é o pensamento de alguns congressistas brasileiros que legislam sobre o tema). Esse senso comum é facilmente desmontado olhando-se para as prisões-modelo: é exatamente nas prisões com melhores condições que encontramos os índices mais baixos de reincidência. E é nos países com os melhores sistemas prisionais, e não naqueles que resolveram recriar a Gulag, que encontramos os menores índices de criminalidade e de reincidência.

Ao contrário do senso comum, mais tempo de prisão tende a aumentar, em vez de diminuir, as chances de reincidência. Há uma meta-análise interessante, que analisa 111 estudos empíricos sobre o tema, feita por Smith, Goggin, & Gendreau (2002) e referenciado pela polícia do Canadá (download do trabalho aqui), que conclui que "punishment produced a slight (3%) increase in recidivism".

Obviamente, não estou propondo o fim das prisões (se o efeito-dissuasão é desprezível, resta o efeito-incapacitação, ou seja, enquanto a pessoa está presa, fica incapacitada -- ok, dificultada -- de cometer novos crimes). Proponho o fim do "quanto pior, melhor". Antes de pensarmos em se aumentar as penas (e elas nunca serão duras o suficiente, pois mesmo nos países com pena de morte os crimes punidos com a pena máxima continuam a ser cometidos), é fundamental promovermos uma profunda reforma do sistema penitenciário. Sem isso, estamos contribuindo mais para o agravamento do problema do que para sua solução.

* * *
São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008

CPI diz que refeição é servida em sacos e há rato em celas

Em cerca de oito meses, deputados visitaram 60 estabelecimentos no país

Entre os piores casos, está o da Colônia Penal Agrícola de Campo Grande, onde condenados a regime semi-aberto dormem com porcos

MARIA CLARA CABRAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de cerca de oito meses de trabalho, a CPI do Sistema Carcerário da Câmara concluiu que a situação do sistema prisional é um caos.
Presídios superlotados, denúncias de tortura, refeições inadequadas, falta de pessoal, celas com ratos e esgoto a céu aberto foram os principais problemas constatados pelos congressistas, após visita a 18 Estados e 60 estabelecimentos em todo o país. "Grande parte dos presídios visitados não serve nem para bichos", resumiu o relator da comissão, o deputado Domingo Dutra (PT-MA).
Em seu relatório, com cerca de 500 páginas, que será apresentado hoje aos membros da CPI, o deputado deve pedir o indiciamento de cerca de 30 pessoas -os nomes não foram divulgados. O número, segundo o próprio deputado, não reflete a real situação do país.
"A rigor, ninguém escaparia. A corrupção e a omissão são alguns dos crimes cometidos por diversos agentes públicos que contribuem para a degradação do sistema. Mas, como a situação já vem de tempos, preferi pedir o indiciamento apenas para os casos mais graves."
Entre os piores casos, está o da Colônia Penal Agrícola de Campo Grande (MS), com condenados a regime semi-aberto. Membros da CPI denunciaram que mendigos trocavam de lugar com presos. Pela falta de espaço, muitos presos preferiam ainda montar barracas para dormir ao lado de porcos.
No Centro de Detenção Provisória 1 de Pinheiros (SP), houve denúncia de que presos ficam mais de um mês sem sol. Também foram encontrados doentes mentais junto com presos sadios, além de celas sem janelas "e com mau cheiro insuportável".
No Instituto Penal Paulo Sarasate (CE), presos disseram aos deputados que são espancados e levados para o castigo, em celas isoladas, com freqüência. As refeições -arroz, feijão e mistura- são servidas dentro de sacos plásticos. "Tudo se mistura e fica uma espécie de lavagem, e eles são obrigados a comer com a mão, porque não há talheres. É deprimente", diz Dutra no relatório.
Membros da CPI relatam ainda que em Minas Gerais "foi encontrada uma das piores e mais vergonhosas situações do país". "Um verdadeiro caos de uma administração desastrosa", classificam. Em visita ao 2º Distrito Policial de Contagem, deputados encontraram creolina nas celas. Segundo eles, o material era usado por determinação médica para os os presos com coceira na pele, o que é comum dentro das cadeias por causa da sujeira e falta de sol. "A creolina é usada em animais, para desinfetar locais acometidos por bernes e outros bichos", criticam os deputados.
Ainda estão entre as prisões com as piores situações a Penitenciária de Valparaíso (GO), a Carceragem Central de Porto Alegre (RS), o Presídio Urso Branco (RO), a Penitenciária Lemos Brito (BA), a Colônia Penal Feminina do Bom Pastor (PE), o Presídio Aníbal Bruno (PE) e o Centro de Detenção Provisória do Maranhão.
Além disso, Dutra vai propor que o Estado pague advogados para presos quando a defensoria pública for insuficiente, já que muitos que já deveriam estar no semi-aberto continuam superlotando cadeias por falta de assistência jurídica.
O Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça, admitiu a deficiência e os problemas detectados pela CPI. O governo, no entanto, diz estar trabalhando, em conjunto com os Estados, para superar a situação.

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1906200830.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário