segunda-feira, 19 de maio de 2008

Tolerância Zero

Curto e preciso. Resume com notável simplicidade textos acadêmicos belíssimos sobre o mesmo assunto, do trabalho seminal Broken Windows, de James Wilson e George Kelling, até o mais recente Disorder in Urban Neighborhoods -- Does It Lead to Crime?, de Robert Sampson e Stephen Raudenbush, duas belíssimas leituras, curtas (não tanto quanto a coluna do Ruy Castro na Folha de S.Paulo de hoje), mas bastante mais densas e acadêmicas.

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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2008

RUY CASTRO

Cidadãos com cidadania

RIO DE JANEIRO -
Um chiclete ou toco de cigarro jogado na rua atrai outro chiclete ou toco de cigarro. Uma garrafa pet atirada na pista pela janela de um carro induz a que outro cretino, passando de carro, atire outra garrafa. Um monte de lixo não recolhido na calçada leva o indivíduo a despejar mais lixo na calçada, achando que o ponto está liberado para vazadouro.
Uma faixa com os dizeres "Maricotinha, te amo" ou "Obrigado a santo Agapito pela graça alcançada", estendida de poste a poste, de um lado a outro da rua, estimula que alguém pendure outras faixas apregoando "Vendem-se túmulos" ou "Jazigos abaixo do custo", como já vi perto de cemitérios, penduradas de árvore a árvore.
Uma tabuleta na porta de um açougue prometendo "Coxão mole a xis reais o quilo", empatando metade da calçada, é um convite a que farmácias, lanchonetes, locadoras de vídeo etc. atravanquem o resto da via pública com seus anúncios. Um carro estacionado com duas rodas no passeio está a um passo de botar as outras duas rodas no passeio e interrompê-lo de vez.
Uma pichação na fachada de um prédio leva outro pichador a emporcalhar o prédio ao lado ou a tentar competir com o primeiro, pichando os andares mais altos. Um grafiteiro autorizado a cobrir uma parede com seus horrendos desenhos estará apenas se prevalecendo da coação que sua categoria impõe ao poder público -ou este libera o grafite, por ser uma "arte", ou os grafiteiros vão na marra e pintam do mesmo jeito.
Tanta imundície revela abandono e é uma porta aberta para a criminalidade -bandidos sentem-se bem em meio a ela. Algumas prefeituras fazem sua parte, mas os cidadãos precisam ajudar, exercendo a cidadania. Embora pertença a todos, o espaço público não é a casa-da-mãe-joana.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1905200805.htm

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Incrível como a idéia de "Tolerância Zero" foi desvirtuada aqui no Brasil, dando a entender a idéia de um maior rigor penal com os crimes e suspeitos de sempre. Não posso confirmar a informação, mas ouvi dizer que foi do Lula, muito antes de assumir a Presidência, a frase "Para se fazer uma revolução no País, basta o cumprimento de nossa Constituição". Concordo. Comecemos, então, por partes: se fôssemos tentar garantir o cumprimento integral do nosso Código Nacional de Trânsito, alguém tem dúvidas de que o governante de plantão cairia, ou se tornaria inelegível nos próximos pleitos?

Eu costumo me perguntar se faz sentido continuarmos a aprovar, diariamente, mais e mais leis das quais não conseguimos, nem de perto, garantir seu cumprimento. Uma nova lei, seja ela o endurecimento da punição de uma conduta, ou a tipificação de uma nova infração ou crime, sempre traz um conforto psicológico para o legislador (fiz a minha parte) e para a população (que espera que a conduta reprovada cesse), até que vire mais uma "lei que não pega", essa figura bizarra mas muito comum na sociedade brasileira.

(suspiro...)

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