São Paulo, quinta-feira, 8 de abril de 2010
Contagem sinistra
Governantes culpam a chuva por problemas que poderiam evitar, como mortes decorrentes de ocupações irregulares
A TEMPESTADE que alcançou o Rio de Janeiro entre a noite de segunda-feira e a manhã de terça, a maior já registrada na história da cidade, fez crescer uma contabilidade sinistra. Pelo menos 130 pessoas foram somadas ao total de vítimas das chuvas no país, que caem em volumes recordes desde as enchentes em Santa Catarina, no final de 2008. Já são mais de 390 vítimas fatais, considerando apenas esses dois Estados e São Paulo.
Quase sempre, a causa é a mesma. Moradores de áreas de risco são arrastados com suas casas pela terra que, encharcada, desce pelas encostas. Tão previsível quanto as chuvas do verão e os deslizamentos no acidentado terreno da costa brasileira é o discurso dos governantes. Anteontem, Eduardo Paes (PMDB) fez coro à ladainha.
O temporal foi atípico, disse o prefeito do Rio. Nenhum planejamento seria suficiente para impedir os estragos causados por tamanha precipitação pluviométrica. "Não há galeria pluvial limpa que resista a essa quantidade de chuvas", argumentou.
As explicações, repetitivas, embaralham problemas distintos, que ensejam graus variados de intervenção do poder público. Paes tem razão ao salientar que não é possível passar por eventos climáticos extremos como esse sem algum tipo de dano à cidade. Ruas alagadas, caos no trânsito, transtornos para os cidadãos são, de fato, muitas vezes inevitáveis. Tantas mortes, não.
Um dos aspectos mais cruéis da série de tempestades que vem afetando a vida de milhões de brasileiros está no fato de seus efeitos mais graves resultarem de problemas conhecidos e passíveis de serem solucionados.
As vítimas moravam em locais inapropriados, e caberia ao Estado impedir que estivessem ali. Há décadas são ignorados os problemas habitacionais da população mais pobre das grandes cidades. Ao mesmo tempo, acordos tácitos entre a demagogia de governantes e a carência da população transformaram improvisos ilegais em situações de fato.
Mesmo em áreas onde a construção é permitida, mas que chuvas intensas podem tornar perigosas, um sistema eficiente de alerta, capaz de evacuar a população sempre que a precipitação ultrapasse determinados limites, poderia prevenir tragédias.
Reportagem de ontem nesta Folha revelou que faltam monitoramento e atualização mais frequentes aos mapas geotécnicos das áreas de risco no Rio.
Tais cartas são imprescindíveis para que se comece a separar problemas "naturais" advindos das chuvas daqueles que podem ser evitados com planejamento e intervenção do poder público. A persistência da confusão entre os dois aspectos só interessa aos incompetentes.
URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0804201001.htm
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