sexta-feira, 22 de abril de 2011

Odeio neoliberal

Não as pessoas que se definem como neoliberal (existem?), não a ideologia neoliberal, mas a palavra “neoliberal”. O que quer dizer esse termo, mesmo? Em geral é usado para desmerecer uma pessoa ou política. Não precisa nem explicar mais o ponto da discordância. “É neoliberal”. Discussão encerrada.

Aproveitando o feriado para limpar meus armários, encontrei o texto abaixo, escrito há mais de uma década, quando o termo estava mais em alta, para se referir ao presidente da época. Muda-se de presidente, mantêm-se as bases da política macroeconômica, despenca o uso do termo. O que só reforça minha impressão de que se trata de um grande continente para abarcar os mais diversos conteúdos (nem sempre consistentes):

Políticas neoliberais? Mas o que é o neoliberalismo?
Fabio Giambiagi e Maurício Mesquita Moreira
Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, junho de 2000

Lembrei do dia em que pedi a uma amiga de esquerda que avaliasse seu grau de concordância com uma lista de dez proposições de políticas. Concordava fortemente com 50% delas, parcialmente (ou sem opinião formada) com outras 30%, e rejeitava apenas 20%. Foi apenas no final da nossa conversa que disse que tais proposições, nenhuma delas hoje digna de causar muita polêmica, compunham o chamado “Consenso de Washington”.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Ateísmo positivo

Rational Atheism

An open letter to Messrs. Dawkins, Dennett, Harris and Hitchens

By Michael Shermer  |  Scientific American  |  August 19, 2007

Since the turn of the millennium, a new militancy has arisen among religious skeptics in response to three threats to science and freedom: (1) attacks against evolution education and stem cell research; (2) breaks in the barrier separating church and state leading to political preferences for some faiths over others; and (3) fundamentalist terrorism here and abroad. Among many metrics available to track this skeptical movement is the ascension of four books to the august heights of the New York Times best-seller list—Sam Harris’s Letter to a Christian Nation (Knopf, 2006), Daniel Dennett’s Breaking the Spell (Viking, 2006), Christopher Hitchens’s God Is Not Great (Hachette Book Group, 2007) and Richard Dawkins’s The God Delusion (Houghton Mifflin, 2006)—that together, in Dawkins’s always poignant prose, “raise consciousness to the fact that to be an atheist is a realistic aspiration, and a brave and splendid one. You can be an atheist who is happy, balanced, moral and intellectually fulfilled.” Amen, brother.

Whenever religious beliefs conflict with scientific facts or violate principles of political liberty, we must respond with appropriate aplomb. Nevertheless, we should be cautious about irrational exuberance. I suggest that we raise our consciousness one tier higher for the following reasons.

1. Anti-something movements by themselves will fail. Atheists cannot simply define themselves by what they do not believe. As Austrian economist Ludwig von Mises warned his anti-Communist colleagues in the 1950s: “An anti-something movement displays a purely negative attitude. It has no chance whatever to succeed. Its passionate diatribes virtually advertise the program they attack. People must fight for something that they want to achieve, not simply reject an evil, however bad it may be.”

2. Positive assertions are necessary. Champion science and reason, as Charles Darwin suggested: “It appears to me (whether rightly or wrongly) that direct arguments against Christianity & theism produce hardly any effect on the public; & freedom of thought is best promoted by the gradual illumination of men’s minds which follow[s] from the advance of science. It has, therefore, been always my object to avoid writing on religion, & I have confined myself to science.”

3. Rational is as rational does. If it is our goal to raise people’s consciousness to the wonders of science and the power of reason, then we must apply science and reason to our own actions. It is irrational to take a hostile or condescending attitude toward religion because by doing so we virtually guarantee that religious people will respond in kind. As Carl Sagan cautioned in “The Burden of Skepticism,” a 1987 lecture, “You can get into a habit of thought in which you enjoy making fun of all those other people who don’t see things as clearly as you do. We have to guard carefully against it.”

4. The golden rule is symmetrical. In the words of the greatest conscious­ness raiser of the 20th century, Mart­in Luther King, Jr., in his epic “I Have a Dream” speech: “In the process of gaining our rightful place, we must not be guilty of wrong­ful deeds. Let us not seek to satisfy our thirst for freedom by drinking from the cup of bitterness and hatred. We must forever conduct our struggle on the high plane of dignity and discipline.” If atheists do not want theists to prejudge them in a negative light, then they must not do unto theists the same.

5. Promote freedom of belief and disbelief. A higher moral principle that encompasses both science and religion is the freedom to think, believe and act as we choose, so long as our thoughts, beliefs and actions do not infringe on the equal freedom of others. As long as religion does not threaten science and freedom, we should be respectful and tolerant because our freedom to disbelieve is inextricably bound to the freedom of others to believe.

As King, in addition, noted: “The marvelous new militancy which has engulfed the Negro community must not lead us to a distrust of all white people, for many of our white brothers, as evidenced by their presence here today, have come to realize that their destiny is tied up with our destiny. And they have come to realize that their freedom is inextricably bound to our freedom.”

Rational atheism values the truths of science and the power of reason, but the principle of freedom stands above both science and religion.

(via Scientific American)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Piauienses: Persio Arida

A citação abaixo é cômica, mas o relato completo de Persio Arida evoca muitas outras emoções:

Antes de ir para a garçonnière tratei de esvaziar a casa. Entulhei panfletos, manifestos, anotações e mais as obras completas do Lênin em uma mala velha. Lênin era um escritor prolífico e sua obra, publicada em espanhol na União Soviética, a preço de banana, se estendia por vários volumes. A mala ficou um chumbo, daqueles de destroncar as costas de halterofilista.

O que fazer? Hospedar a maldita mala na casa de algum amigo poderia incriminá-lo. Enterrá-la no jardim? Não, o funeral de uma mala poderia chamar a atenção dos vizinhos. Abandoná-la em terreno baldio ou depósito de lixo? Não, as impressões digitais nos livros e nos papéis me denunciariam. A solução era o rio Pinheiros, fétido e poluído. Mergulhador algum se atreveria a buscar a mala naquelas águas.

A operação aconteceu no lusco-fusco de um dia de semana, lanternas de carros se confundindo com as últimas luzes do dia. Parei o carro bem perto da ponte da Cidade Jardim. Subiria pela faixa de pedestres até o primeiro ponto no qual pudesse jogar a mala.

Foi um sufoco. A alça arrebentou na partida. Mala antiga, sem rodinhas. Tentei fazer dela uma roda retangular, que empurraria, volta após volta, apoiada apenas nas laterais estreitas. Tolice – a mala tombou estrondosamente no chão logo na primeira volta. Empurrei aquele chumbo com as mãos enquanto minhas costas arqueadas aguentaram. Na metade da caminhada, exausto, passei a empurrar a mala com os pés, quase chutando o couro marrom, amaldiçoando Lênin. Era um enchedor de linguiça, um sujeitinho pretensioso, incapaz de se expressar com concisão, que achava que só porque era Lênin e mandava na União Soviética tinha que botar no papel toda maldita ideia que lhe ocorria.

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Piauienses: Marcos de Azambuja

Esse relato está delicioso, terei que destacar ao menos dois trechos:

Sumiu

Um grande diplomata sueco, Jan Mårtenson, que começou sua vida profissional por esses idos no Brasil, disse-me décadas depois que a expressão brasileira da qual mais sentia falta era a palavra “sumiu”. Quando dava por falta de alguma coisa em sua casa, nos seus tempos cariocas, a explicação da empregada era sempre a mesma: “Sumiu.”

Mårtenson dizia que a palavra explica o inexplicável, encerra o assunto e não o leva a nenhuma consequência policial ou administrativa. Estava nas coisas a faculdade de sumir e, aceita essa premissa, não se falava mais no assunto. As coisas tinham também a faculdade de reaparecer mais tarde, sem maiores explicações. Sumiu. Apareceu.

Choque de civilizações

A bateria de elevadores do prédio, numerosos e de última linha, entrara em colapso. Ou bem estavam todos em um determinado andar, ou todos iam juntos subindo ou descendo. Havia se desfeito um sofisticado programa que deveria permitir que subissem ou descessem alternadamente, capazes de dar rápido atendimento, e não ficassem, como acontecia então, retidos em um só andar.

O administrador confessou-me terem feito algumas investigações. E descobriram que éramos nós, brasileiros, a causa de todo o transtorno. Haviam previsto a parada de cada elevador por um número preciso de segundos. Mas no nosso andar a pausa era imprevisível, e muito mais longa. Por causa de uma mistura de gentilezas e respeito a precedências; por esperar algum retardatário para quem mantínhamos a porta aberta; por uma mensagem de última hora que não podia deixar de ser dada; para ajudar alguém a entrar num sobretudo, tínhamos desorganizado todo o sistema.

Diante desse verdadeiro choque de civilizações, pediam-me, o administrador e o engenheiro, que os ajudasse a resolver o imbróglio. Prometi que faria alguma coisa, mas, naturalmente, não mudamos nossos hábitos nem encurtamos as nossas gentilezas. Acredito que os americanos, com sua tecnologia, devam ter encontrado uma nova programação, que ajudou a superar o problema. Ficou-me a constatação, reforçada tantas vezes depois ao longo da vida (em elevadores, no final de almoços, jantares e festas), de que a nossa liturgia de partidas tem um ritmo que não pode ser abreviado. E que, se os franceses saem sem se despedir, os brasileiros se despedem sem sair.

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Aliás, o relato de Azambuja na edição do mês passado também vale muito a pena!