segunda-feira, 2 de abril de 2012

Trick or Treatment

Colocado assim parece óbvio, mas sempre me perguntei por que não poderíamos aproveitar o efeito placebo nos tratamentos convencionais…

* * *

São Paulo, domingo, 1º de abril de 2012Opinião

HÉLIO SCHWARTSMAN

Do direito de furar

SÃO PAULO - Para a Justiça, só médicos têm o direito de praticar acupuntura. Receio que nossos magistrados tenham sido afoitos. Antes de aplicar o princípio da reserva de mercado, teria sido oportuno estabelecer se a milenar técnica chinesa tem fundamento científico. E, à luz das melhores evidências disponíveis, a resposta é "provavelmente não".

Como mostram Simon Singh e Edzard Ernst em seu instrutivo "Trick or Treatment", quando ressurgiu com força no Ocidente, nos anos 70, a acupuntura parecia capaz de fazer milagres. Era recomendada para tudo, de daltonismo a AVC. A própria Organização Mundial da Saúde publicou, em 1979 e de novo em 2003, revisões bastante favoráveis à técnica, que foi incorporada como parte do arsenal terapêutico por diversos governos e associações médicas.

Profissionais mais céticos, entretanto, insistiram em que a acupuntura deveria ser investigada com mais rigor. E trabalhos de melhor qualidade, como uma série de metanálises patrocinadas pela rede Cochrane, reduziram o escopo de aplicações. Mostraram que ela talvez servisse para tratar dores e náuseas, descartando quase todos os outros usos.

O golpe mais duro veio depois que os estudos passaram a incorporar controles nos quais o paciente crê receber tratamento, mas a acupuntura é falsa (aplicada em pontos "errados" ou com agulhas telescópicas que nem furam a pele). Nesses trabalhos, o benefício da acupuntura em dores e náuseas fica indistinguível do efeito placebo, que é quando o paciente melhora por simples sugestão.

Isso nos leva a uma questão ainda mais complicada. Já que o efeito placebo é real, por que não aproveitá-lo, trazendo-o para a prática médica? Pílulas de farinha e falsas agulhadas raramente provocam reações adversas e são baratas. A objeção é de ordem ética. Todo placebo envolve algum grau de enganação. No longo prazo, erode-se a confiança nos profissionais e na própria medicina.

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/34562-do-direito-de-furar.shtml

quarta-feira, 7 de março de 2012

piauienses: Islândia, a ilha-laboratório

Ísi relembra: “Quando ele encerrou com ‘Que Deus proteja a Islândia’, todo mundo pensou: ‘Fodeu.’” Alguns saíram atrás de um caixa 24 horas para ver se o sistema ainda funcionava. Outros ligaram para casa e tentaram acalmar a família. Muitos pensaram em estocar comida. “Foi a semana louca”, prossegue Ísi.“Em sete dias, todos os bancos quebraram. Sem recursos externos, a Islândia talvez não conseguisse mais importar comida e, como quase nada cresce nessa terra gelada, nós passaríamos fome. Nunca tínhamos ouvido falar em ‘segurança alimentar’.” De um dia para outro, a carruagem virava abóbora. “Nem isso”, reagiu um cidadão perplexo, “uma abóbora a gente come.”

A ilha-laboratório
Três anos depois de um colapso financeiro devastador, a Islândia é tida como exemplo por manifestantes europeus, economistas reputados e organismos internacionais. Na iminência da derrocada do projeto europeu, o país tem mesmo algo a ensinar?
por João Moreira Salles | Revista Piauí | edição 65 (fev/2012)
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-65/carta-da-islandia/a-ilha-laboratorio

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Hellhole

“It’s an awful thing, solitary,” John McCain wrote of his five and a half years as a prisoner of war in Vietnam—more than two years of it spent in isolation in a fifteen-by-fifteen-foot cell, unable to communicate with other P.O.W.s except by tap code, secreted notes, or by speaking into an enamel cup pressed against the wall. “It crushes your spirit and weakens your resistance more effectively than any other form of mistreatment.” And this comes from a man who was beaten regularly; denied adequate medical treatment for two broken arms, a broken leg, and chronic dysentery; and tortured to the point of having an arm broken again. A U.S. military study of almost a hundred and fifty naval aviators returned from imprisonment in Vietnam, many of whom were treated even worse than McCain, reported that they found social isolation to be as torturous and agonizing as any physical abuse they suffered.

[...]

Most hostages survived their ordeal, Fletcher said, although relationships, marriages, and careers were often lost. Some found, as John McCain did, that the experience even strengthened them. Yet none saw solitary confinement as anything less than torture. This presents us with an awkward question: If prolonged isolation is—as research and experience have confirmed for decades—so objectively horrifying, so intrinsically cruel, how did we end up with a prison system that may subject more of our own citizens to it than any other country in history has?

[...]

One of the paradoxes of solitary confinement is that, as starved as people become for companionship, the experience typically leaves them unfit for social interaction. [...] Perversely, then, the prisoners who can’t handle profound isolation are the ones who are forced to remain in it. “And those who have adapted,” Haney writes, “are prime candidates for release to a social world to which they may be incapable of ever fully readjusting.”

[...]

Advocates of solitary confinement are left with a single argument for subjecting thousands of people to years of isolation: What else are we supposed to do? How else are we to deal with the violent, the disruptive, the prisoners who are just too dangerous to be housed with others?

[...]

And evidence from a number of studies has shown that supermax conditions—in which prisoners have virtually no social interactions and are given no programmatic support—make it highly likely that they will commit more crimes when they are released. Instead, the report said, we should follow the preventive approaches used in European countries.

HELLHOLE
The United States holds tens of thousands of inmates in long-term solitary confinement. Is this torture?
by Atul Gawande | The New Yorker | MARCH 30, 2009
http://www.newyorker.com/reporting/2009/03/30/090330fa_fact_gawande

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

piauienses: Comissão da Verdade

Um dos juízes pediu que ela dissesse alto o que estava escrito nas camisetas que as famílias foram impedidas de usar no julgamento do STF. Ela disse: “A única luta que se perde é a que se abandona.”
Conciliação, de novo
Como um acordo entre o governo e a cúpula das Forças Armadas, e entre o PT, o PSDB e o DEM, impede que a Comissão da Verdade julgue militares e policiais que torturaram, mataram e desapareceram com corpos durante a ditadura
por Consuelo Dieguez | Revista Piauí | edição 64 (jan/2012)
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-64/questoes-historico-politicas/conciliacao-de-novo

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Contradição

São Paulo, terça-feira, 7 de fevereiro de 2012Opinião

HÉLIO SCHWARTSMAN

O prazer da contradição

SÃO PAULO - Há algo de pedagógico na alternância do poder: percebemos com que facilidade situação e oposição trocam de papéis -e de princípios. A greve da PM baiana é uma oportunidade sem igual de ver a natureza humana em ação.

Em 2001, membros da corporação deflagraram uma paralisação, que também degenerou em violência. Na ocasião, o PT, por intermédio de Lula, defendeu a legitimidade da greve e responsabilizou o governo baiano, que era do PFL, pela barbárie. Hoje, o governador petista Jaques Wagner chama alguns dos grevistas de bandidos e se recusa a negociar. Denuncia a utilização política do movimento.

Ainda mais instrutivo é ver como os blogs de simpatizantes e antipatizantes do PT tratam a disputa, que ainda ganha pitadas do caso Pinheirinho.

A pergunta que fica é: as pessoas não se dão conta de suas contradições? E a resposta é "muito pouco".

O psicólogo Drew Westen mostrou que, na política, emoções falam mais alto que a lógica. Ele monitorou os cérebros de militantes partidários enquanto viam seus candidatos favoritos caindo em contradição. Como previsto, eles não tiveram dificuldade para perceber a incongruência do "inimigo", mas foram bem menos críticos em relação ao "aliado".

Segundo Westen, quando confrontados com informações ameaçadoras às nossas convicções políticas, redes de neurônios associadas ao estresse são ativadas. O cérebro percebe o conflito e tenta desligar a emoção negativa. Circuitos encarregados de regular emoções recrutam, então, crenças capazes de eliminar o estresse. A contradição é apenas fracamente percebida.

A surpresa foi constatar que esse processo de relativização não se limita a desligar as emoções negativas. Ele também dispara sensações positivas, acionando circuitos do sistema de recompensa, que coincidem com as áreas ativadas quando viciados em drogas tomam uma dose. Em suma, políticos e simpatizantes sentem prazer ao ignorar suas contradições.

helio@uol.com.br

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/24407-o-prazer-da-contradicao.shtml

domingo, 22 de janeiro de 2012

piauienses: A maldição do petróleo

Marcel Mochet/AFP/Getty Images

Uma plataforma de petróleo no mar noroeguês

O que a Noruega tem a ensinar para o Brasil:

“Desde a primeira descoberta, sempre tratamos o petróleo como problema”, disse Øystein Kristiansen na sede da Diretoria Norueguesa de Petróleo, na cidade de Stavanger. […] Øystein Kristiansen é diretor de projetos internacionais da Diretoria Norueguesa de Petróleo. Começou a aprender português porque uma de suas funções é assessorar o governo de Moçambique, que em outubro anunciou a descoberta de expressivas reservas de gás em alto-mar. [...] Seu objetivo é ajudar Moçambique a escapar da “doença holandesa”. Criada pela revista The Economist, em 1977, a expressão se refere ao súbito desequilíbrio, e piora geral, de uma economia nacional quando ela é beneficiada pela descoberta de um recurso natural valioso.

Mas aparentemente nos recusamos a aprender:

E o projeto do coração de Farouk é uma fundação criada pelo governo para transferir conhecimento e treinar técnicos do setor energético em outros países. Duas vezes por ano, essa fundação recebe em Stavanger quarenta alunos para um curso de gestão de recursos com duração de oito semanas. O grupo de 2011 incluiu alunos de 24 países. Há engenheiros, geólogos, economistas, contadores, advogados, todos funcionários públicos em seu país ou vinculados às companhias nacionais de petróleo. [...] A Petrobras foi várias vezes convidada a enviar técnicos para o curso, mas nunca participou.

O iraquiano que foi para o frio
Como Farouk al-Kasim venceu a doença holandesa e desenvolveu o modelo norueguês de gerir as riquezas petrolíferas sem desequilibrar a economia
Revista Piauí | dez/2011 | por Branca Vianna

Recomendo também a ótima reportagem do programa Planet Money da rádio pública americana (NPR):

Norway Has Advice For Libya
(áudio, em inglês, 21:44)

piauienses: Beatriz Sarlo

Ela já esteve uma vez com o ex-presidente brasileiro, quando recebeu a medalha de Ordem do Mérito Cultural. Quebrou o protocolo, que a mandava receber a medalha e voltar a sentar. Pois ela atravessou o palco para abraçar Lula. “No ano que vem, quando o senhor ficar desempregado, vá para a Argentina que daremos um jeito de elegê-lo”, disse. Lula respondeu-lhe com um abraço. “Naquele momento, senti o poder físico do carisma”, relembrou.

Comigo não
Beatriz Sarlo, a voz do contra na Argentina
Revista Piauí
| dez/2011 | por Carol Pires
(original em espanhol)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Fundamentos do ateísmo

Hélio Schwartsman | Folha de S. Paulo | 10 de dezembro de 2011

SÃO PAULO - Já que dois amigos meus, Ives Gandra Martins e Daniel Sottomaior, se engalfinharam em polêmica acerca de um suposto fundamentalismo ateu, aproveito para meter o bedelho nessa intrigante questão. Como não poderia deixar de ser, minha posição é bem mais próxima da de Daniel que da de Ives.

Não se pode chamar de fundamentalista quem exige provas antes de crer. Aqui, o alcance do ceticismo é dado de antemão: a dúvida vai até o surgimento de evidências fortes, as quais, em 2.000 anos de cristianismo, ainda não apareceram.

Ao contrário, dogmas vão contra tudo o que sabemos sobre o mundo. Virgens não costumam dar à luz e pessoas não saem por aí ressuscitando. Em contextos normais, um homem que veste saias e proclama transformar vinho em sangue seria internado. Quando se trata de religião, porém, aceitamos violações à física e à lógica. Por quê?

Ou Deus existe e espera de nós atitudes exóticas -e inconsistentes de uma fé para outra-, ou o problema está em nós, mais especificamente em nossos cérebros, que fazem coisas esquisitas no modo religioso.

Fico com a segunda hipótese. Corrobora-a um número crescente de cientistas que descrevem a religiosidade ou sua ausência como estilos cognitivos diversos. Ateus privilegiam a ciência e a lógica, ao passo que crentes dão mais ênfase a suas intuições, que estão sempre a buscar padrões e a criar agentes.

Posta nesses termos, fé e ceticismo se tornam um amálgama de influências genéticas e culturais difícil de destrinchar -e de modificar.

Como bom ateu liberal, aplaudo avanços no secularismo, já que contrabalançam o lado exclusivista das religiões, que não raro degenera em violência e obscurantismo. Mas, ao contrário de colegas mais veementes, acho que a religião, a exemplo do que se dá com filatelia, literatura e sexo, pode, se bem usada, ser fonte legítima de bem-estar e prazer.

URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/13913-fundamentos-do-ateismo.shtml

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Piauienses: O traidor


“Vão nos fuzilar. Pois bem. E daí?”, diziam.

“Depois vou enterrá-los segundo o ritual católico!”, gritava De Foxá, espumando de raiva, com lágrimas nos olhos. Porque meu caro Augustin é um homem bom, e sofria daquela magnífica e terrível teimosia.

“O senhor não faria isso”, diziam os prisioneiros, “usted es un hombre honesto.

[Leia mais…]

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Tales from Lake Wobegon

We were sitting there, side by side. Thirteen years old. And she looked at me, and she said, ‘Would you like to wrestle?’ She had brothers, and I guess one of them was not available. I’d never wrestled with a girl before. And I looked at her, not sure what to say. I was brought up not to attack a girl. That was against our code! I thought about this, and while I was thinking about it, she doved onto me, and she pushed me down, she wrapped her powerful arms around me. And we laid there in the grass, and she wrapped her legs around my waist, and her hair was in my face, and then her face was alongside my head. And I can remember feeling her ribs against mine, and her arms around me, and I struggled to break her hold, and I got free. And I got up on my knees, and then she took me down again. And when she took me down again, I realized that the difference between winning and losing was negligible.

(via The News from Lake Wobegon)

Sentirei muita falta das histórias de Garrison Keillor a partir de 2013...